Os atos institucionais que se seguem da invasão ao Congresso, Senado e ao Palácio da Alvorada, põem um fim esperado ao intento bolsonarista em manifestar o caos e criar uma situação em que as forças armadas (supostamente) seriam forçadas a intervir em benefício de Bolsonaro, parte do setor militar e a agenda da extrema-direita. No entanto, para acreditar em uma derrota do fascismo teríamos de atestar contra os fatos ocorridos no ano passado no Capitólio dos Estados Unidos e no dia de anteontem(08/01). Ou seja, a “vitória” hoje assenta somente no aspecto eleitoral.
Se fazia pouco sentido dizer que a derrota eleitoral acalmaria os ânimos dos “patriotas”, parece ser menos verossímil ainda que este episódio de repressão tenha dado um ponto final ao bolsonarismo enquanto movimento social de extrema-direita.
Aqui como nos Estados Unidos, não os republicanos ou os aliados de sigla de Bolsonaro, mas sua base que forma hoje o eixo radical do fascismo à brasileira persistem e apostam com tudo na consolidação e compartilhamento de experiências em suas bolhas. O fenômeno do banimento dos trumpistas(e do próprio Trump) das redes sociais convencionais impulsionou uma migração para plataformas não-convencionais ou menos convencionais como o Parler, o Gab.com e, é claro, o Telegram. A militância bolsonarista investe já há um tempo na disseminação de conteudo via Telegram, e camuflando ao máximo possível os grupos para escapar dos banimentos e das ações judiciais. Foi lá que esta reportagem teve acesso ao grupo “Fato01”, que está também no Twitter.
O grupo e a página tinham por interesse noticiar a resistência dos bolsonaristas em meio ao cerco policial e as ações que buscavam chamar a atenção de outros pontos de bloqueio. Com a cerimônia de posse do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva concretizada, muitos focos de protesto se desanimaram e desmontaram barracas, mas tantos outros permaneceram e a espera não foi em vão. A Agência Pública revelou que militantes golpistas comunicavam-se abertamente em redes sociais através de códigos internos, que indicavam que “estava tudo certo” para o que quer que fosse acontecer. E aconteceu. A revolta protagonizada por centenas de camisas verde e e amarela tinha clareza quanto ao objetivo em comum: tomar os 3 poderes “Preparem-se para acampar, cozinhar e usar os banheiros daí. Não arredem o pé!”
No perfil de Twitter “QG FATO”, que remete ao grupo de Telegram “FATO01”, o administrador narra que os manifestantes de Brasília foram vitimas de truculência e condições de detenção inumanas. Apesar de parte significativa tentar atribuir os crimes às supostas “infiltrações esquerdistas”, alimentadas unicamente por boatos, uma grande parte, principalmente onde os grupos de Telegram se incluem, veem os atos terroristas como uma manifestação legítima, que o Estado reprimiu desproporcionalmente.

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Na data da escrita deste artigo, começou a circular a informação de que uma protestante passou mal e veio a óbito após ter participado “pacificamente”de um protesto. Os vídeos a que esta reportagem teve acesso não conseguem, porém, identificar uma relação entre a operação policial e o estado de saúde da vitima. O que a situação mostra é que os protestantes que permaneceram ocupando a explanada foram mantidos isolados em um ginásio da polícia federal à espera de transporte para a detenção. É nesse contexto que os centros de detenção improvisados vem sendo comparados a “campos de concentração”, “gulags”, etc.

Tais narrativas vêm reforçando a hashtag #LULAGENOCIDA nas redes sociais. O exército e as policias, afinal, paradoxalmente, vêm sendo colocados como inimigos do povo, “traidores da pátria”. Um dos administradores da página de Telegram “Cristãos pelo Brasil” repercutiu o falecimento da idosa com os dizeres nos comentários “É guerra, meus amigos. Vamos reagir.”
Por falar em internet, o assunto “Careca e viado[veado]” vigorava entre os mais comentados no Brasil com pouco mais de 3.000 tweets. Internautas contam que na sala do ministro do supremo Alexandre de Moraes foi encontrada uma bolsa repleta de pênis de borracha. O mais provável é que foi posto ali para provocar de maneira jocosa o ministro e ridicularizá-lo como se a homossexualidade condenasse a dignidade de alguém.
A cientista social e pesquisadora do tema “fascismo e estética” Juliana Antunes atribui a essa formulação de símbolos uma cristalização do movimento bolsonarista como expressão fascista. Só que a tal estética carrega um outro componente, o da pós-verdade. Letícia Cesarino, antropóloga, conta em seu livro O mundo do avesso: verdade e política na era digital que a apropriação dos ambientes virtuais por parte de certos grupos pôde contribuir para a proliferação de informações sem checagem ou notoriamente falsas. Não é de se estranhar que, dentro dessas circunstâncias, a verdade do grupo prevaleça daqui em diante e leve a novos assaltos às instituições. Como um balanço dos novos eventos, o blog Passa Palavra cravou o que parece ser mais acertado:
Os acampamentos serviram ao longo dos últimos sessenta dias como locais de grande potencial de formação interna para o movimento, aumentando sua identidade própria, possibilitando que os acampados constituam novos laços de amizade e solidariedade entre si. (Passa Palavra 09/01)
Isto é, essas dezenas de dias acampados e em espírito de comunhão provocam nestes sujeitos uma identidade comum, serão pessoas que retomarão o contato em seus bairros, em suas redes sociais, em seus locais de trabalho, de estudo, sobretudo quando professam sua fé, já que a maioria é evangélica. É prudente nesse cenário crer que as instituições calaram, enfim, os bolsonaristas?
A foto de destaque deste artigo é de Mateus Campos Felipe.